sábado, 25 de junho de 2011

Nós já temos encontro marcado...

Nós já temos encontro marcado
Eu só não sei quando
Se daqui a dois dias
Se daqui a mil anos
(...)
O desejo a nos punir, só porque somos iguais
A Idade Média é aqui
Mesmo que me arranquem o sexo, minha honra, meu prazer
Te amar eu ousaria
E você, o que fará se esse orgulho nos perder?
(...)
O que eu sinto meu Deus
 É tão forte!
Até pode matar
O teu pai já me jurou de morte
por eu te desviar
Se os boatos criarem raízes
Ousarias me olhar, ousarias me ver
(...)
No clarão do luar, espero
Cá nos braços do mar me entrego
Quanto tempo levar,
Quero saber se você       
É tão forte que nem lá no fundo irá desejar

sexta-feira, 24 de junho de 2011

"a única verdade é que vivo.
Sinceramente, eu vivo.
Quem sou?
Bem, isso já é demais...."
...Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

A saudade...

A saudade não tem pressa de acabar,
Chega sem avisar,
Fica sem pedir,
Sendo que o único remédio é te ver...

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Meu quarto continua arrumado,
Sou eu quem está bagunçada...
Estou andando na contramão dos meus sonhos...
Hoje um holocausto aconteceu dentro de mim
Milhares de eu´s foram mortos
o Eu maior está em estado de putrefação
Fedendo a cadáveres antes pungentes
Olha lá! É o velho corpo que está cedendo
E vai cair! Estão vendo?
Vai cair sobre os destroços e da fuligem do amor
Que adormeceu entre os velhos prédios da cidade grande
Esta cidade sem causa, esta cidade sem nome,
Onde os planetas voam sobre as cabeças apaixonadas,
Que vagão sem orientação e sem perdão
Há alguém que bate palmas
Sentado no alto da montanha
Não! Não é Zaratustra,
Deve ser a senhora Morte
Que acabou de assistir o grande espetáculo
Vamos morrer! Todos nós morreremos sem perdão
Mas, o que teria de perdoar, o amor que sinto por você?
Onde está o pecado em amar e ser amado?
Onde está o pecado em te amar?
Seria porque tuas coxas parecem com as minha
Ou por que os teus seios são iguais aos meus?
Por que somos mulheres que se amam em meios as maçãs?
Corra Helena, corra!
Os troianos vão te culpar, és bela demais!!
Observem a grande bola de fogo vai cair.
Está escorregando do negro céu e não há como detê-la!
O holocausto está acontecendo no universo dentro de mim!!
Nesse momento, o mar é apenas uma gota de água em mim...

domingo, 19 de junho de 2011

É preciso...

É preciso descartar o asco,
Quebrar a casca, sair do casulo tépido
Que remetia ao calor uterino com o cálido líquido amniótico
É preciso
 Sair...
 Correr...
 Voar...
 Saltar
Pular da vertiginosa altura dos braços maternos
É preciso se quebrar,
Quebrar as costelas, os ossos do corpo e se reconstituir o mais breve possível
É necessário e inevitável saltar para o vazio (vida)
Que só ganhará o nome de vida,
 Depois que andar pelos fios tênues da trama singela
Que somente ela (a vida) possui
É preciso se rasgar,
Rasgar as capas do peito,
Criar pele nova,
Criar outro sorriso,
Criar outro olhar,
Outros gestos,
Um novo jeito de andar,
De falar, de sentir, de dormir, de respirar, de amar, de viver
Sentir o vento envergar a coluna
E depois andar ereto
É preciso criar deuses para se perdoar,
É imprescindível se amar, mesmo despido da casca
Para não ser vítima de sua própria insanidade

Thomas

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Espera...

O dia não tem 24 horas, é impossível ter somente 24 horas,
já que estou te esperando a mais de 30 horas...
Você me disse que iria voltar em um dia, e eu sei que você irá voltar um dia...

(Eu)
Alguém aí, por um acaso, achou a minha PAZ perdida em algum vagão do metrô?
Por favor, devolva-me, caso tenha encontrado. Obrigada
EU
Alguém aí, por um acaso, achou a minha PAZ perdida em algum vagão do metrô?
Por favor, devolva-me, caso tenha encontrado. Obrigada
EU


Devaneio

Mergulhei no mar
e não dava pé
Me apaixonei
mas não sei por quem
Sonho com alguém
Que você não é

Eu me entreguei demais
Eu imaginei demais
e o silêncio fala mais que a traição
Foi um devaneio meu
um veraneio seu
e um outono inteiro
em minhas mãos

Vi um sol nascer
pelos olhos seus
me deixei levar
eu nao refleti
que era a luz dos meus
refletida em ti

Eu me entreguei demais
Eu imaginei demais
e o silêncio fala mais que a traição

Foi um devaneio meu
um veraneio seu
e um outono inteiro
em minhas mãos 
 

O roupão

DEPOIS QUE EU GANHEI UM ROUPÃO,
TODAS AS MINHAS CAMISAS FORAM ABANDONAS...

Thomas

Deixe-me!

Deixe-me errar, dar com a boca no chão,
sentir o cascálho nos dentes
Assim, como é preciso comer a carne e beber
o sumo doce do fruto passageiro da paixão
Deixe-me errar e descobrir que
o que eu perdi era bom
e se foi sem piedade
Deixe-me errar em paz!
Deixe-me sentir o gosto do Morcego que grita;
- Volte Fulana, porque a Loucura não me dá trégua, volte agora eu tenho pressa!
E Fulana não irá voltar, por que estará nos braços da Distância...
Deixe-me cair e sentir a sensação da queda e da dor,
Ter os joelhos doloridos,
Deixe-me errar em paz!!

Thomas

Corra...

Corra para o abismo do amor,
Caso caía não reclames,
pelo menos amou uma vez na vida!

EU
Hoje não está frio somente lá fora,
Meu coração bate em pedras de gelo...
Onde está meu Whisky?

EU

...

A felicidade é clandestina,
A tristeza não...

(EU)

"Eu Simplesmente Amo-te Eu amo-te sem saber como, ou quando, ou a partir de onde. Eu simplesmente amo-te, sem problemas ou orgulho: eu amo-te desta maneira porque não conheço qualquer outra forma de amar sem ser esta, onde não existe eu ou tu, tão intimamente que a tua mão sobre o meu peito é a minha mão, tão intimamente que quando adormeço os teus olhos fecham-se".

Pablo Neruda,

Tédio...uma mulher no escuro...

 

 

 

Tédio


Tenho as recordações d'um velho milenário!
Um grande contador, um prodigioso armário,
Cheiinho, a abarrotar, de cartas memoriais,
Bilhetinhos de amor, recibos, madrigais,
Mais segredos não tem do que eu na mente abrigo.
Meu cer'bro faz lembrar descomunal jazigo;
Nem a vala comum encerra tanto morto!

— Eu sou um cemitério estranho, sem conforto,
Onde vermes aos mil — remorsos doloridos,
Atacam de pref'rência os meus mortos queridos.
Eu sou um toucador, com rosas desbotadas,
Onde jazem no chão as modas despresadas,
E onde, sós, tristemente, os quadros de Boucher
Fuem o doce olor d'um frasco de Gellé.

Nada pode igualar os dias tormentosos
Em que, sob a pressão de invernos rigorosos,
O Tédio, fruto inf'liz da incuriosidade,
Alcança as proporções da Imortalidade.

— Desde hoje, não és mais, ó matéria vivente,
Do que granito envolto em terror inconsciente.
A emergir d'um Saarah movediço, brumoso!
Velha esfinge que dorme um sono misterioso,
Esquecida, ignorada, e cuja face fria
Só brilha quando o Sol dá a boa-noite ao dia!

Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"

Vou tirar você do dicionário

 


Eu vou tirar do dicionário
A palavra você
Vou trocar-lá em miúdos
Mudar meu vocabulário
e no seu lugar
vou colocar outro absurdo
Eu vou tirar suas impressões digitais
da minha pele
Tirar seu cheiro
dos meus lençóis
O seu rosto do meu gosto
Eu vou tirar você de letra
nem que tenha que inventar
outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
com quantos "nãos" se faz um sim
Eu vou tirar o sentimento
do meu pensamento
sua imagem e semelhança
Vou parar o movimento
a qualquer momento
Procurar outra lembrança
Eu vou tirar, vou limar de vez sua voz
dos meus ouvidos
Eu vou tirar você e eu de nós
o dito pelo não tido
Eu vou tirar você de letra
nem que tenha que inventar
outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
com quantos "nãos" se faz um sim
"Tudo que você disser
deve fazer bem
Nada que você comer
deve fazer mal"
"Eu quero as mulheres
que dizem sim
E quem não tem vergonha
de ser assim?


Itamar Assumpção e Alice Ruiz

Motivo



Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

Cecília Meireles
    TABACARIA
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.


Álvaro de Campos, 15-1-1928

Homo infimus


Homo infimus



Homem, carne sem luz, criatura cega,
Realidade geográfica infeliz,
O Universo calado te renega
E a tua própria boca te maldiz!

O nôumeno e o fenômeno, o alfa e o ômega
Amarguram-te. Hebdômadas hostis
Passam... Teu coração se desagrega,
Sangram-te os olhos, e, entretanto, ris!

Fruto injustificável dentre os frutos,
Montão de estercorária argila preta,
Excrescência de terra singular.

Deixa a tua alegria aos seres brutos,
Porque, na superfície do planeta,
Tu só tens um direito: — o de chorar!

Bicarbonato de Soda

 
Bicarbonato de Soda
 
     Súbita, uma angústia... 
     Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma! 
     Que amigos que tenho tido! 
     Que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido! 
     Que esterco metafísico os meus prpósitos todos! 
     Uma angústia,  
     Uma desconsolação da epiderme da alma,  
     Um deixar cair os braços ao sol-pôr do esforço... 
     Renego. 
     Renego tudo. 
     Renego mais do que tudo. 
     Renego a gládio e fim todos os Deuses e a negação deles. 
     Mas o que é que me falta, que o sinto faltar-me no estômago e na 
      circulação do sangue? 
     Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro? 

     Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me? 
     Não: vou existir.  Arre!  Vou existir. 
     E-xis-tir... 
     E--xis--tir ... 

     Meu Deus!  Que budismo me esfria no sangue! 
     Renunciar de portas todas abertas, 
     Perante a paisagem todas as paisagens, 

     Sem esperança, em liberdade, 
     Sem nexo, 
     Acidente da inconseqüência da superfície das coisas, 
     Monótono mas dorminhoco, 
     E que brisas quando as portas e as janelas estão todas abertas! 
     Que verão agradável dos outros! 

     Dêem-me de beber, que não tenho sede!

Eu...

Estou dormindo em um lírio azul,

Deixando os lírios brancos para a sobremesa,

Desejando que os lírios amarelos virem sol

(Eu)

Eu...

Estou dormindo em um lírio azul,

Deixando os lírios brancos para a sobremesa,

Desejando que os lírios amarelos virem sol

(Eu)

Sensação

Sensação



Pelas tardes azuis do Verão, irei pelas
sendas,

Guarnecidas pelo trigal,
pisando a erva miúda:

Sonhador, sentirei a
frescura em meus pés.

Deixarei o vento banhar
minha cabeça nua.



Não falarei mais, não
pensarei mais:

Mas um amor infinito me
invadirá a alma.

E irei longe, bem longe,
como um boêmio,

Pela natureza, - feliz
como com uma mulher.

Arthur Rimbaud

Poema em linha reta

Poema em linha reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


(Álvaro de Campos)